CORRESPONDÊNCIA. 24

17-05-2015 22:13

CARTAS DE ANTÓNIO TELMO PARA ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO. 07

 

 

Estremoz

18-3-90

 

Meu caro António Cândido Franco

 

Envio-lhe esta carta por Fátima, para que a leia antes de terça-feira. O café, às 18 horas, é o Águias de Oiro, onde o espero e ao seu colega.

Concordo que o “histórico” seja excessivo no seu romance[1], mas não julgo excessivas as minhas palavras de exaltação. Direi, porém, que o peso, que é demora, do enredo histórico com o inútil que há nele em relação ao essencial constitui uma imitação da nossa vida, que se arrasta ao longo dos dias aparentemente feita do que é metafisicamente inútil, mas onde se vai secretamente formando a nossa forma de luz – a ígnea Inês. É este contraste entre o tédio da viagem e as súbitas revelações que há nela que eu também amei no seu livro. O oásis só é porque há deserto.

Vai ficar surpreendido, mas a verdade é que nunca li livro de Herberto Helder. É a segunda vez que me fala dele e a primeira que, com ele, se bem percebi, meu complementar me inscreve na rosácea Templária. Não sei se, ao substituir o triângulo duplo pelo duplo quadrado esteve perfeitamente consciente de tudo quanto a nova figura envolve. Dir-lhe-ei que, no seu desenvolvimento geométrico aparece de novo, no centro, o misterioso hexagrama. Se estiver interessado, e não o souber, podemos falar mais demoradamente sobre isso.

Claro que gostaria de ler Herberto Helder.

Há à venda nas livrarias de Lisboa?

Se não lhe causar incómodo, poderá enviar-me o livro que mais amar dele, emprestado, já se vê, pois não sei quando irei à Cidade.

Terça-feira falaremos sobre a ida a Setúbal.

Não percebi bem do que se trata.

Até lá, um grande abraço do

                                               António Telmo

 

 



[1] Nota do editor – António Telmo refere-se ao romance de António Cândido Franco Memória de Inês de Castro, Mem Martins, Europa América, 1993.