UNIVERSO TÉLMICO. 29

27-10-2015 11:11

De Rui Arimateia, membro do Projecto António Telmo. Vida e Obra, publicamos hoje o ensaio que serviu de base à sua comunicação sobre "Fernando Pessoa e a Maçonaria" na Tarde Télmica do passado sábado, dia 24, na Biblioteca Municipal de Sesimbra, no âmbito do Colóquio "No Centenário do Orpheu", que contou ainda com a participação de Miguel Real, Elísio Gala e António Carlos Carvalho. 

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Fernando Pessoa e a Maçonaria

Rui Arimateia

 

Sê plural como o Universo! – Fernando Pessoa

 

Atrevendo-me a abordar a complexa temática sobre este grande Senhor da Língua e da Cultura Portuguesas, constato que algumas questões ainda se encontram teimosamente por clarificar nos nossos espíritos indagadores:

Foi Fernando Pessoa iniciado maçon? Se sim onde recebeu a iniciação? Quem, ou que Ordem Maçónica e Iniciática lhe conferiu a iniciação? Terá recebido a iniciação por comunicação directa? Foi iniciado em Portugal? Qual a ideia de Maçonaria que transparece na obra do Poeta?

Só o Poeta poderia cabalmente responder. Não o fez claramente em vida. Deixou adivinhar algumas afinidades publicamente e deixou um imenso espólio com fragmentos de documentos muito importantes mas que, embora clarificadores pelos conteúdos, muitos deles não se encontravam datados nem contextualizados. As leituras que se fizerem dos mesmos serão sempre hipotéticas. Contudo na base de toda a Ciência encontram-se um ou vários sistemas de hipóteses que vão ao longo do tempo e do caminho, construindo, transformando e clarificando a Obra.

São dezenas e dezenas os fragmentos documentais sobre Maçonaria, Iniciação e Ocultismo existentes no espólio de Fernando Pessoa e que têm sido trabalhados por inúmeros ilustres investigadores portugueses e estrangeiros. É uma imensa manta de retalhos onde os simbolismos se entrecruzam e se “contaminam” uns aos outros, enriquecendo e complexificando a obra pessoana.

Os excertos e os fragmentos pessoanos agora por mim trabalhados e apresentados foram tão só alguns daqueles que me tocaram mais profundamente sobre as matérias em questão – maçonaria e iniciação. É esta uma das muitas abordagens possíveis à problemática e as linguagens que privilegiei são mais poéticas e ritualísticas do que descritivas e explicativas. Desculpem-me o atrevimento!

Cristianismo, Judaísmo, Kabbalah, Maçonaria, Ocultismo, Paganismo, Astrologia, Rosa-Crucismo, Templarismo, Teosofia... Todos estes sistemas de Conhecimento-Sabedoria enformaram a(s) personalidade(s) e a descomunal obra literária, filosófica e poética, de Fernando Pessoa.

Assim, segundo se depreende dos seus escritos, Fernando Pessoa foi Maçon, foi Rosa Cruz, foi Templário, foi Teósofo, foi Ocultista, foi Astrólogo… – uma vez que todos estes sistemas de sabedoria o tocaram profundamente e “formataram” o seu pensamento, a sua sensibilidade e a sua personalidade.

Independentemente de qualquer sistema filosófico, sem dúvida que Fernando Pessoa terá sido um Iniciado nos Mistérios da Vida e da Morte, no grande sentido destas palavras... os seus escritos, a sua obra, a sua Poesia principalmente, assim nos levam a concluir.

Intuímos igualmente que Fernando Pessoa terá sido um ser extremamente introvertido, ensimesmado, um “novelo enrolado para dentro”, tal como o via Álvaro de Campos. Mas, simultaneamente, Pessoa era um ser pleno de autenticidade e de coragem. Lembremo-nos de todo o problemático processo inicial da revista Orpheu em 1915 e das posturas frontais e decisivas assumidas pelo Poeta e pelo seu heterónimo Álvaro de Campos. Fernando Pessoa foi, de facto, um assumido livre-pensador durante toda a sua relativamente curta vida.

Pelos inúmeros fragmentos sobre Maçonaria que se encontram no espólio pessoano, poderemos aferir que: a obediência ritualística acontecia no seu íntimo, o ritual vivia-o em si próprio, a Iniciação aconteceu em si, pois como ele próprio referiu, “quando o discípulo está pronto o mestre está pronto também”

[Subsolo– Fragmentos alinhavados por Fernando Pessoa, in Centeno – FERNANDO PESSOA E A FILOSOFIA HERMÉTICA, 1985, p.40].

 

Era fundamental para Fernando Pessoa a constatação de que:

– Tudo está ligado a tudo... ou, tal como é expresso nas palavras inspiradas de Hermes Trismegistos: “O que está embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é igual ao que está embaixo, para realizar os milagres de uma única coisa…”

 

– A Unidade da Vida é uma realidade sempre presente para a evolução natural e harmoniosa de todos os Seres Vivos e do próprio Planeta;

 

Não há Religião superior à Verdade, encarando todas as manifestações do génio humano – religiosas, sociológicas, antropológicas, filosóficas e científicas…– numa perspectiva Teosófica; como ele o afirmou através da sua poesia – “Tudo é verdade e caminho”!

 

A morte é a curva da estrada,

Morrer é só não ser visto.

Se escuto, eu te oiço a passada

Existir como eu existo.

 

A terra é feita de céu.

A mentira não tem ninho.

Nunca ninguém se perdeu.

Tudo é verdade e caminho.

 

[Fernando Pessoa - 23. 5.1932]

 

Por outro lado, considero essenciais – para mim são-no – as utilizações de três ferramentas metodológicas para a desocultação dos significados mais profundos do Espírito Religioso do Poeta e que ele próprio utilizou com mestria:

 

1.      A Poesia – pois esta permite falar a língua dos Deuses;

2.      A Imaginação Criadora – permite ouvir e entender a voz dos Deuses;

3.      A Analogia – permite compreender a intenção mais profunda nas diversas manifestações dos Deuses.

 

A Palavra, para Fernando Pessoa, é uma criação superiormente inspirada – do Espírito, do Logos, de Deus, da Natureza, da Vida Una… – que anima interiormente o homem e a mulher e se manifesta para a realização e compreensão de autênticas maravilhas.

 

Resumindo, e utilizando as próprias palavras de Fernando Pessoa (Subsolo):

 

“(…).

Todos os symbolos e ritos dirigem-se, não á intelligencia discursiva e racional, mas á intelligenciaanalogica. Por isso não ha absurdo em se dizer que, ainda que se quisesse revelar claramente o oculto, se não poderia revelar, por não haver para elle palavras com que se diga. O symbolo é naturalmente a linguagem das verdades superiores à nossa intelligencia, sendo a palavra naturalmente a linguagem d’aquellas que a nossa intelligencia abrange, pois existe para as abranger.

(...).

O primeiro capitulo trata das iniciações e expõe as trez leis da «vida oculta» - (1) o que está em baixo é como o que está em cima, (2) quando o discípulo está prompto, o mestre estáprompto também, (3) cada coisa tem cinco sentidos.

(…).”

[in Centeno, FERNANDO PESSOA E A FILOSOFIA HERMÉTICA, 1985, pp. 37-38 e 40]

 

 

Fernando Pessoa comunicava numa linguagem superiormente inspiradora quando nos legou o poema que de seguida se transcreve e que nos permite a compreensão de uma Religião-Sabedoria Universal totalmente integrada na Natureza e nos apresenta a descrição de um Templo oriundo das mais remotas profundezas e origens do homem religioso:

 

Oscila o incensório antigo

Em fendas e ouro ornamental.

Sem atenção, absorto sigo

Os passos lentos do ritual.

 

Mas são os braços invisíveis

E são os cantos que não são

E os incensórios de outros níveis

Que vê e ouve o coração.

 

Ah, sempre que o ritual acerta

Seus passos e seus ritmos bem,

O ritual que não há desperta

E a alma é o que é, não o que tem.

 

Oscila o incensório visto,

Ouvidos cantos estão no ar,

Mas o ritual a que eu assisto

É um ritual de relembrar.

 

No grande Templo antenatal,

Antes de vida e alma e Deus...

E o xadrez do chão ritual

É o que é hoje a terra e os céus...

 

[Fernando Pessoa - 22. 9.1932]

 

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*    *

 

Em relação à questão sobre Fernando Pessoa e a Maçonaria Portuguesa do seu tempo, recorremos ao auxílio de António Arnaut, que assumiu as funções de Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano entre 2002 e 2005.

É certo que não existe rasto algum da sua passagem pelo Grande Oriente Lusitano, a única Obediência maçónica portuguesa (publicamente conhecida) existente durante a vida de Pessoa.

Diz-nos António Arnaut que:

“(...).

A verdade, porém, é que se Fernando Pessoa se tivesse filiado no GOL haveria, seguramente, memória histórica desse facto. Acresce que há dois obreiros da Obediência que dobraram há muito os 100 anos, (...), que não têm conhecimento dessa filiação. Refiro-me aos meus Irmãos Fernando Vale e Emídio Guerreiro, iniciados, respectivamente, em 1923 e 1924. Ambos poderiam, pois, ter convivido com o Poeta, entre Colunas, se ele tivesse conhecido a flor da acácia.”

(...).”

[Nota: Fernando Vale e Emídio Guerreiro, faleceram após este depoimento ter sido escrito, o primeiro a 26 de Novembro de 2004 e o segundo a 29 de Junho de 2005]. [Arnaut, 2005, p.6].

 

Por outro lado, Fernando Pessoa, no seu artigo em defesa da maçonaria e publicado no “Diário de Notícias” no dia 4 de Fevereiro de 1935, criticando o projecto-lei que visava ilegalizar as assim denominadas “associações secretas”, no caso concreto, o Grande Oriente Lusitano, escreveu:

“(...).

Começo por uma referência pessoal, que cuido, por necessária, não dever evitar. Não sou maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente. Não sou, porém, anti-maçon, pois o que sei do assunto me leva a ter uma ideia absolutamente favorável da Ordem Maçónica. A estas duas circunstâncias, que em certo modo me habilitam, a poder ser imparcial na matéria, acresce a de que, por virtude de certos estudos meus, cuja natureza confina com a parte oculta da Maçonaria – parte que nada tem de político ou social –, fui necessariamente levado a estudar também esse assunto – assunto muito belo, mas muito difícil, sobretudo para quem o estuda de fora. Tendo eu, porém, certa preparação, cuja natureza me não proponho indicar, pude ir, embora lentamente, compreendendo o que lia e sabendo meditar o que compreendia. Posso hoje dizer, sem que use de excesso de vaidade, que pouca gente haverá fora da Maçonaria, aqui ou em qualquer outra parte, que tanto tenha conseguido entranhar-se na alma daquela vida, e portanto, e derivadamente, nos seus aspectos por assim dizer externos.

(...).”

[Quadros, Textos de Intervenção..., 1986, p.148].

 

Na Nota Biográfica, escrita pelo próprio Fernando Pessoa também de 1935, podemos ler:

“(...).   

Posição religiosa: Cristão Gnóstico, e portanto inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Posição iniciática: Iniciado, por comunicação directa de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.

(...).”

[Quadros, Escritos Íntimos..., 1986, p.253].

 

Num outro importante e explícito fragmento deixado por Pessoa, lemos:

 

“(1) Uma Ordem iniciática é verdadeiramente uma Ordem só quando está em actividade — isto é, quando tem abertos os seus templos, ou o seu templo único, e realiza sessões e iniciações em ritual vivido [?]. Quando em dormência, ou vida latente e simplesmente transmissa, não é propriamente uma Ordem, mas tão-somente um sistema de iniciação, avanço e completamento. São os três termos que competem à conferição, por exemplo, dos três Graus Menores da Ordem Templária de Portugal.

(2) Por isso eu disse, legitimamente, que não pertencia a Ordem nenhuma. Não podia legitimamente dizer que não tinha nenhuma iniciação. Antes, para quem pudesse entender, insinuei que a tinha, quando falei de «uma preparação especial, cuja natureza me não proponho indicar.» Essa frase escapou, e ainda mais o seu sentido possível, aos iledores anti-maçónicos. Só posso pois dizer que pertenço à Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou templário português. Digo-o devidamente autorizado. E, dito, fica dito.

Ora é à luz dos conhecimentos que recebi pelos três Graus Menores da Ordem Templária que pude ler com entendimento livros e rituais maçónicos. Ausentes esses conhecimentos, estaria lendo às escuras.

A iniciação maçónica — que é uma iniciação do primeiro nível — é dada através dos rituais e dos símbolos; os discursos que acompanham o ritual nada conferem. Uns são propositadamente simples e triviais, para que o candidato, se é apto e digno, se vire d’eles para a parte vital do grau; outros são propositadamente confusos e contraditórios, para que obriguem o candidato, se nele há alma iniciática, a meditar, escolher, e, por fim, achar; (...).

 Segue de aqui que a leitura, por profanos, de rituais maçónicos, impressos ou manuscritos, os deixa no fim da leitura no mesmo estado de trevas em que estavam no princípio. Falta-lhes a luz com que dissipem essas sombras propositadas; o fio com que, espalhado no solo quando entram no labirinto, de novo os reconduza à entrada.

 O entendimento dos símbolos e dos rituais maçónicos não pode ser obtido senão por iniciação directa, ou, excepcionalmente, por qualquer preparação espiritualmente equivalente que permita ao simples leitor de rituais visionar emotivamente as cerimónias, sentir no coração aquela vida própria com que os símbolos são almas. Fora d’isso há só uma noite sem madrugada.

s. d.

[in Teresa Rita Lopes, Pessoa Inédito, 1993, p.196].

 

Ainda no artigo no «Diário de Notícias», afirma o Poeta:

“(...). Deixe o Sr. José Cabral a Maçonaria aos mações e aos que, embora o não sejam, viram, ainda que noutro Templo, a mesma Luz. (...).”

 

[in Quadros, Textos de Intervenção..., 1986, p.155].

 

Constatamos ainda que a epígrafe do poema «Eros e Psique», datado de 1934, foi retirada do “Ritual do Grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal”:

«... E assim vedes meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.».

            Finalmente, auxilio-me do trabalho de George Rudolf Lind, que no seu livro Estudos sobre Fernando Pessoa [1981, p. 285], cita um extraordinário e pouco conhecido trecho do ritual de um dos primeiros graus da Ordem Templária, e que se encontra no espólio pessoano da Biblioteca Nacional de Lisboa:

 

“Recebestes a luz da Ordem em que éreis cego. Ides receber agora a sua Veste de que éreis nu. Agora que recebestes a Luz e a Veste da Ordem, estareis lembrado de que vos falta a Guarida da Ordem. A luz não vos deu mais que luz; mas a luz passa e vem a noite e vós não a tendes. A Veste não vos deu mais que a Veste; por baixo dela sois nu como éreis. A Guarida porém vos dará o onde tenhais luz ainda que falte luz de fora, o onde tenhais veste, pois tendes abrigo, ainda que na guarida estejais nu... Cego, nu e pobre entrastes na vida. Cego, nu e pobre entrareis na morte. Não há, porém, vida nem morte: Não há, Neófito, senão vida. O que vos sucedeu ao nascer, vos sucederá ao morrer: entrareis na vida. Isto é a verdade: o entendimento é convosco, assim como o regrar-vos por ela como deveis.”

 

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E é o próprio Fernando Pessoa, o Poeta, que nos traduz o anterior texto ritualístico através da sua extraordinária linguagem poética:

 

Iniciação

 

Não dormes sob os ciprestes,

Pois não há sono no mundo,

....................................................

O corpo é a sombra das vestes

Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,

E a sombra acabou sem ser.

Vais na noite só recorte,

Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro

Tiram-te os anjos a capa.

Segues sem capa no ombro,

Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada

Despem-te e deixam-te nu.

Não tens vestes, não tens nada:

Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,

Os Deuses despem-te mais.

Teu corpo cessa, alma externa,

Mas vês que são teus iguais.

....................................................

A sombra das tuas vestes

Ficou entre nós na Sorte.

Não ‘stás morto, entre ciprestes.

.....................................................

Neófito, não há morte.

 

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ANTÓNIO TELMO, FERNANDO PESSOA E A MAÇONARIA

 

Sobre Fernando Pessoa e a Maçonaria, deixou-nos António Telmo um importante depoimento na sua História Secreta de Portugal:

“(…).

Fernando Pessoa foi o nosso primeiro poeta maçónico e toda a sua obra poética pode e deve ser interpretada como a expressão da viagem iniciática da alma num adepto que não se limita a cumprir os ritos e a estudar o dogma, mas desse cumprimento e desse estudo tira todas as consequências nos vários planos de vivência do ser. Assim, os heterónimos podem ser vistos como uma aplicação do «dom das línguas» ou um exercício destinado a produzir esse dom; a maioria dos poemas constituem o desenvolvimento de ensinamentos maçónicos e, por vezes, o próprio Fernando Pessoa não deixa de o assinalar por meio de epígrafes (caso do Eros e Psichee de No Túmulo de Christian Rosencreutz); outros ainda, como por exemplo A Múmia, são a transposição poética da experiência de determinado ritual.

(…).

A obra de Fernando Pessoa vale não só por si, mas também por marcar um comportamento maçónico excepcional no seu tempo. Através dele, a Maçonaria regressa à sua origem ou, pelo menos, aparece como a legítima continuadora da Ordem do templo. (…).

Pela Mensagem, Fernando Pessoa rectifica, à luz de princípios maçónicos recuperados, a história de Portugal. (…).”

[in Telmo, 1977, pp.116-118].

 

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A importância da iniciação, do mistério, do segredo e do silêncio em Maçonaria, segundo António Telmo

 

Refere-nos ainda António Telmo, na mesma obra, que estamos “num mundo onde a presença do mistério impõe que nada se possa realmente saber fora dos termos desse mistério. Assim, os mais lúcidos e imprudentes não desistiam de procurar a palavra perdida da Sabedoria.”

Que, acrescento, será coincidente com a palavra perdida dos maçons, cujo objectivo último de cada um será o seu reencontro com essa Palavra Perdida....a Palavra Divina, segundo Fernando Pessoa. Atentemos à profunda máxima Socrática: “Homem, conhece-te a ti próprio! E, conhecendo-te, conhecerás o Universo e os próprios Deuses!”.

Num outro texto de António Telmo, poderemos ler:

 

“(...) É espantoso como foi possível conservar, ao longo dos séculos, inalteráveis, no que lhes é essencial, ritos e símbolos maçónicos, quando enormes forças, cá dentro como lá fora, tudo têm feito para os adulterar e corromper! (...).”

[in Telmo, A Terra Prometida, 2014, pág.108]

 

(…). Ensinou Aristóteles, na sua Arte Poética, que, nos mistérios de Elêusis, o neófito nada aprendia, mas recebia uma impressão. O ritmo interior que comanda o rito (não me refiro ao cerimonial, que pode ou não acompanhá-lo) envolve o neófito, durante a iniciação, no profundo e inefável mistério que por ele se exprime, envolve-o como uma onda, donde sai atordoado, mas limpo, prende-o numa [a Egrégora] cadeia magnética de que não se libertará jamais, a não ser por cima, se assim o quiser o Grande Arquitecto do Universo. É por isso que se diz que um Mação nunca deixará de o ser, mesmo que abandone a Ordem. (…).”

[in Telmo, 2014, A Terra Prometida, p.110]

 

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António Telmo, como era seu costume com todas as filosofias que abordava, enquanto Maçon foi autocrítico em relação à práxis maçónica. Interessante este Diálogo entre Frei Anselmo e Noviço, que ele nos deixou e que foi recentemente publicado na “Aventura Maçónica”:

 

“(...).

Lês, escreves e isso está bem. No resto do tempo que te fica, procedes como toda a gente, como um autómato. Deixas-te emporcalhar pelos jornais e pela televisão. É um “deixa andar” continuado. De nada serviu termos-te conduzido para uma agremiação de neopitagóricos, onde simbolicamente desceste ao reino das trevas e daí te ergueste para a luz.

Falas com as pessoas como se elas não tivessem rosto; se atentasses, como é devido, na forma do rosto daquele ou daquela com quem conversas, se chegasses a ver nele a expressão de um mistério e de uma luz que, por dentro, ilumina esse mistério, não darias tanta importância ao que não és, àquilo em que és igual a todos os outros.

(...).”

[in Telmo, 2011, A Aventura Maçónica, p. 27]

 

 

Tanto António Telmo como Fernando Pessoa tinham semelhante opinião acerca da Iniciação: uma vez maçon, sempre maçon; uma vez Iniciado, para sempre Iniciado.

Tal como nos referia António Telmo:

“(...).

(...) Cada Maçon é um Templo, por isso, onde quer que esteja, está o Templo. Não devemos, portanto, reduzir ao trabalho de Loja a nossa actividade, dividindo-nos em dois comportamentos, um exterior e outro interior, como se, uma vez lá fora, já não existisse “o que mais importa”. Tal atitude, comum a muitos Maçons pouco esclarecidos, leva a acentuar a dualidade que julgávamos ter sido resolvida pela Iniciação. Eis porque me parece oportuno o seguinte conselho: na Loja, devemos subordinar o nosso interior ao que se passa exteriormente; fora da Loja, pelo contrário, subordinar o que se passa exteriormente ao nosso interior. Há um ensinamento oriental que diz o seguinte:

As aves, mesmo quando andam longe dos ovos, continuam a chocá-los.

(…).” 

[in Telmo, 2011, A Aventura Maçónica, p.83]

 

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A VIDA OCULTA NA MAÇONARIA

 

 “Não procures nem creias: tudo é oculto.” – Fernando Pessoa

 

 

Também dentro da Maçonaria o oculto impera. Por razões óbvias no que diz respeito à protecção de bens e pessoas devido a regimes totalitários. Por razões ritualísticas tendo em conta a característica iniciática da Ordem.

O Segredo Maçónico está oculto. Cabe a cada um dos Irmãos ou Irmãs desocultá-lo e transmiti-lo quando o momento chegar, compreendê-lo e manifestá-lo através da sua própria linguagem individual e da sua vivência na Loja e no Mundo.

Através dos séculos os Mestres Maçons de outrora conseguiram fazer transmitir aos Mestres Maçons de hoje os Sentidos inefáveis da Arte da Construção, imbuída de segredo maçónico! Este não foi violado, pois continua a fazer sentido através das Iniciações actuais, através de todo um trabalho ritualístico individual e colectivo. Segredo esse que consegue ser um cimento aglutinador de muitos e muitos maçons, unidos entre si e auxiliando na construção de um mundo melhor. Contudo é um segredo simples aquele que é recordado pelo Venerável Mestre em todas as sessões regulares de Loja, quando, reunida a assembleia de maçons na Cadeia de União ritual, transmite:

 

“Que o amor fraterno una todos os elos desta cadeia simbólica e seja o vínculo imperecível de todos os F\M\ no espaço e no tempo, ligando-nos indissoluvelmente pela tradição iniciática às gerações de irmãos e irmãs que nos precederam e que se prolongarão no futuro.

Estas mãos unidas simbolizam a aliança indestrutível de todos os F\M\ da Terra. (...).”

 

O assim denominado Segredo Maçónico encontra-se revelado: a recepção e a partilha do Amor Fraterno… resta aos Maçons vivê-lo e transmiti-lo!

Não posso deixar de referir a extraordinária mensagem de São João Evangelista, essência última da mensagem mais profunda da Religião Cristã: «Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que o daquele que dá a vida pelos amigos.”

[in “Evangelho Segundo São João”, XV-12]

 

Igualmente digno de interesse o trecho que podemos ler num Ritual de Iniciação maçónico: “Não se é iniciado pelos outros; iniciamo-nos nós mesmos”.

Diga-se de passagem que, em todos os graus maçónicos é sobretudo o conhecimento de Si-Mesmo que é ensinado ao maçon em demanda. E, no mesmo Ritual, mais à frente, vamos encontrar um outro trecho que diz: “O iniciado está só ou, mais exactamente, é único, pois nenhum homem evolui em lugar de outro.”

Para procurarmos e eventualmente encontrarmos o Caminho da Verdadeira Luz, que está oculta, será necessário sabermos o que procurar – procurar “o que importa” – e sabermos o que procurar irá inevitavelmente levar-nos a uma abordagem do real na zona do Auto-Conhecimento, onde a compreensão dos problemas da vida e da morte é indispensável para que alguém se possa situar plenamente, e de facto, na Senda de uma autêntica Busca Espiritual e Maçónica.

Vida e Morte… conceitos que desde a sua Iniciação no Grau de Aprendiz não são estranhos aos Maçons... mas que se vão complexificando durante a peregrinação no Caminho maçónico.

No entanto, há que sublinhar devidamente, este Conhecimento, portador da Verdade e que confere a Libertação e a Paz ao ser humano, “comprometido” com a Sageza das Idades, é incomensurável, omni-abarcante, não limitado, mas só poderá ser percebido pelos que o querem e ousam perceber.

A Demanda começa em cada um de nós. Deus, Aquilo-que-se-quiser-chamar, o fim último da Iniciação, a Luz, o Grande Arquitecto Do Universo, tão procurado, tão aspirado, reside, de facto, em nós próprios. Como é afirmado no Chandogya Upanishad (III-14): “Este Atman que reside no coração, é menor que um grão de arroz, menor que um grão de cevada, menor que um grão de alpista; este Atman, que reside no coração, é ao mesmo tempo, maior que a Terra, maior que a atmosfera, maior que o céu, maior que todos os mundos reunidos.”

Também Paracelso o afirmou. “Trazemos em nós o centro da natureza.”

 

Assim, cada um de nós é realmente um centro que efectua a ligação do Céu à Terra através da sua própria escada mística, mais ou menos conscientemente, com mais ou menos intensidade, mas em permanente busca e em contínua evolução.

Neste centro interior e íntimo, poderá, apesar de tudo dominar a cerceadora dualidade da condição humana manifestando-se pelo sofrimento ou pela felicidade, pela paz ou pela guerra, pelo amor ou pelo ódio!... Mas também nesse centro poderemos encontrar e vivenciar a Unidade da Vida e então achamo-nos subitamente num estado onde não é possível encontrar quaisquer referências para se compararem os complementares, para se olharem as contradições, para se apontarem os conceitos antagónicos. Será, no fundo, através deste estado, que acontece uma real percepção da Totalidade, uma autêntica consciencialização da Unidade, da Vida e da Morte, verdadeiros leit-motiv de todo o labor e busca maçónicos. Lembremo-nos do poema de Fernando Pessoa “Oscila o incensório antigo…”, que nos aponta o caminho a seguir…

 A dramatização ritualística na Maçonaria é constituída por pensamento e sonho, no sentido de construção de um Arquétipo Sagrado, de uma Egrégora. No fundo trata-se de construir em nós mesmos um templo e um tempo originais, no sentido mítico e espiritual. Através do jogo da dramatização, connosco próprios e com o outro, abrimos canais psicológicos que permitirão o fluir de energias vivificadoras e transformadoras cujo resultado será a assunção do homem novo, neste caso do maçon, do construtor, do seguidor do Mestre Hiram, o vencedor da morte!

A palavra ritual, no fundo não tem forma cristalizada, antes remete para uma linguagem única e universal que cada maçon, no acto de escutar, no acto autêntico e criador da atenção ritualística, transforma em vivência e em Amor.

 

rui.arimateia@gmail.com

Sesimbra, 24 de Outubro de 2015

 

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DA SABEDORIA UNIVERSAL OU DO ENSINAR E DO APRENDER:

 

 

As Palavras Muito Antigas

 

 

As palavras muito antigas

São como as sementes

Tu as semeias antes das chuvas

A terra é ressequida pelo sol

A chuva vem molhá-la

A água da terra penetra nas sementes

As sementes transformam-se em plantas

Então, desenvolvem as espigas de milho

Assim tu, a quem acabo de dizer as Palavras Muito Antigas,

Tu és a terra

Eu planto em ti a semente da palavra,

Mas é preciso que a água da tua vida penetre na semente

Para que a germinação da palavra tenha lugar.

 

 

Ensinamento de um griot Mandinka

 

 

 

 

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BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA SOBRE FERNANDO PESSOA E A MAÇONARIA

 

1.       ARNAUT, António – FERNANDO PESSOA E A MAÇONARIA, Ed. do Grémio Lusitano, Lisboa, 2005.

 

2.       CENTENO, Yvette – FERNANDO PESSOA E A FILOSOFIA HERMÉTICA, Col. ‘Temas e Documentos’, n.º 7, Editorial Presença, Lisboa, 1985.

 

3.       CENTENO, Yvette – FERNANDO PESSOA: O AMOR, A MORTE, A INICIAÇÃO, Col. ‘Ensaios’, n.º 10, A Regra do Jogo edições, Lisboa, 1985.

 

4.       CENTENO, Yvette – FERNANDO PESSOA:OS TREZENTOS E OUTROS ENSAIOS, Col. ‘Temas e Documentos’, n.º 10, Editorial Presença, Lisboa, 1988.

 

5.       GANDRA, Manuel J. – FERNANDO PESSOA – HERMETISMO E INICIAÇÃO, Col. ‘Ventos da Tradição’, Zéfiro-Edições e Actividades Culturais, L.da, Sintra, 2015.

 

6.       GEBRA, Fernando de Moraes – O RITUAL ESOTÉRICO NO POEMA “INICIAÇÃO”, DE FERNANDO PESSOA, in “Ipotesi”, Juiz de Fora, Vol. XVI, n.º2, Jul./Dez. 2012. [OBS.: págs. 47-61].

 

7.       LIND, Georg Rudolf – ELEMENTOS OCULTISTAS NA POESIA DE FERNANDO PESSOA, in “Colóquio” – Revista de Artes e Letras, n.º 37, Lisboa, Fevereiro, 1966. [OBS.: págs. 60-63].

 

8.       LIND, Georg Rudolf – ESTUDOS SOBRE FERNANDO PESSOA, Col. ‘Estudos Portugueses’, Ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1981.

 

9.       LOPES, Teresa Rita (Orientação, Coordenação e Prefácio) – PESSOA INÉDITO – FERNANDO PESSOA, Ed. Livros Horizonte, Extra colecção, Lisboa, 1993. [OBS.: 2.ª Edição de 2007].

 

10.   MATOS, Jorge de – O PENSAMENTO MAÇÓNICO DE FERNANDO PESSOA, Col. ‘Biblioteca Maçónica’, n.º1, Hugin Editores, L.da, Lisboa, 1997.

 

11.   PESSOA, Fernando – A GRANDE ALMA PORTUGUESA, Col. ‘Pessoana’, Vol. II, Edições Manuel Lencastre, Lisboa, 1988. [OBS.: A carta ao Conde de keyserling e outros dois textos comentados por Pedro Teixeira da Mota].

 

12.   PESSOA, Fernando – POEMAS ESOTÉRICOS, Col. ‘Pessoa Breve’, Assírio & Alvim/Porto Editora, Porto, 2014.

 

13.   PETRUSFERNANDO PESSOA – HYRAM (Filosofia Religiosa e Ciências Ocultas), Col. ‘Tendências’, Ed. “CEP”, s/l, s/d. [OBS.: Notas e Postfácio por Petrus].

 

14.   QUADROS, António – A PROCURA DA VERDADE OCULTA – TEXTOS FILOSÓFICOS E ESOTÉRICOS, ‘Obra em Prosa de Fernando Pessoa’, Vol. VI, Col. ‘Livros de Bolso Europa América’, n.º 471, Mem Martins, 1986 [OBS.: Prefácio, organização e notas de António Quadros; ver a III Parte-‘O Estádio Gnóstico’, pp.139-232].

 

15.   QUADROS, António – ESCRITOS ÍNTIMOS, CARTAS E PÁGINAS AUTOBIOGRÁFICAS, ‘Obra em Prosa de Fernando Pessoa’, Vol. I, Col. ‘Livros de Bolso Europa América’, n.º 466, Mem Martins, 1986 [OBS.: Prefácio, organização e notas de António Quadros].

 

16.   QUADROS, António – TEXTOS DE INTERVENÇÃO SOCIAL E CULTURAL – A FICÇÃO DOS HETERÓNIMOS, ‘Obra em Prosa de Fernando Pessoa’, Vol. II, Col. ‘Livros de Bolso Europa América’, n.º 467, Mem Martins, 1986 [OBS.: Prefácio, organização e notas de António Quadros].

 

17.   SIMÕES, João Gaspar – VIDA E OBRA DE FERNANDO PESSOA (História de uma Geração), Col. ‘Figuras de Todos os Tempos’, Ed. Livraria Bertrand, 4.ª Edição, Lisboa, 1980.

 

18.   TELMO, António – A AVENTURA MAÇÓNICA – VIAGENS À VOLTA DE UM TAPETE, ‘Hyram Colecção Maçónica’, Zéfiro-Edições e Actividades Culturais, L.da, Sintra, 2011.

 

19.   TELMO, António – A TERRA PROMETIDA – MAÇONARIA, KABBALAH, MARTINISMO & QUINTO IMPÉRIO, ‘Obras Completas de António Telmo’, Volume I, Zéfiro-Edições e Actividades Culturais, L.da, Sintra, 2014.

 

20.   TELMO, António – CONGEMINAÇÕES DE UM NEOPITAGÓRICO, Ed. Al-Barzakh, Vale de Lázaro, 2006.

 

21.   TELMO, António – HISTÓRIA SECRETA DE PORTUGAL, Col. ‘Janus’ n.º 6, Editorial Vega, Lisboa, 1977.

 

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Tardes Télmicas no Centenário de Orfeu

24 de Outubro 2015 | 15:00 | Biblioteca Municipal de Sesimbra

Comemorando o centenário da revista modernista «Orpheu», as Tardes Télmicas evocam Fernando Pessoa e Almada Negreiros entre Tradição e Vanguarda, num diálogo que não poderia deixar de envolver António Telmo e o seu «O Bateleur», e o pensamento maçónico do poeta de «Mensagem». Com MIGUEL REAL, ELÍSIO GALA, ANTÓNIO CARLOS CARVALHO e RUI ARIMATEIA, numa parceria do Projecto António Telmo. Vida e Obra e da Câmara Municipal de Sesimbra.